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domingo, 9 de outubro de 2016

O que é isto da inveja ou será que a galinha da vizinha é mesmo melhor do que a minha?


Sei, à partida, que, ao bordar este tema, vão surgir comentários do tipo: “Deve julgar-se mesmo importante, coitada”, ou “Mas ela pensa que tem alguma coisa que valha a pena ser invejada?” (tal como disse a Sónia Morais Santos há uns dias, parece que as bloggers “têm a mania de medir tudo pela inveja”) – mas a verdade é que esta questão é recorrente e por isso corro o risco e quero mesmo deixar esta reflexão em jeito de crónica.

Começo por confessar que, ao longo da minha da vida tenho sentido algumas vezes o sabor amargo da inveja. Ou porque sempre fui boa aluna, ou porque mais tarde criei a família que muitos consideravam perfeita, ou porque com 4 filhos conseguia conciliar, aparentemente muito bem, a vida pessoal, com a familiar e com a profissional. Mesmo quando tudo mudou e o meu projecto de vida terminou e eu passei um mau bocado, continuei a ouvir falar de invejas. Desta vez é porque achavam que tinha dado a volta à situação e tinha até, imagine-se só, conseguido mais tempo para mim. Até uma querida amiga acabou por me confessar que gostava de estar no meu lugar, que só mesmo se se separasse é que ia conseguir voltar a sentir-se pessoa, para além de mulher e mãe. Também me aconselharam a não falar sobre a minha vida relacional, quando reencontrasse o amor – “Há muita inveja por aí!” – e também associaram os episódios menos positivos que me iam acontecendo ao mau olhado, olho gordo ou mal de invejas. De facto, até o senso comum aconselha: Se estás bem não fales nisso.

E eu como sou do contra, achei que estava já na hora de falar sobre este tema tabu, talvez o grande não dito dos nossos tempos, mas de que todos já mais ou menos provámos o sabor amargo ou já sentimos na pele as ferroadas, bem piores do que as de um lacrau. É provavelmente o sentimento mais mal visto e dos mais antigos da Humanidade – de Caim a Abel, às madrastas más da Branca de Neve e da Gata Borralheira, a Mozart que foi alvo da inveja do compositor italiano Satieri, às obras de Shakspeare, aos filmes, séries ou telenovelas mais actuais, a inveja sempre esteve presente e, se por um lado ela é ocultada, por outro é caracterizada como fazendo parte da vida. A realidade é que a inveja é natural e está presente nas relações humanas, está presente no nosso quotidiano, mesmo quando não conseguimos admitir que lá está.

Porque é que sentimos inveja ou porque somos invejados?

Sentimos inveja porque comparamos e, muitas vezes, quando comparamos invejamos e com a inveja vem o ressentimento e a frustração de não conseguirmos o mesmo, de não sermos assim, de não termos as mesmas coisas. A questão é que só sentimos inveja porque nos falta uma grande dose de amor próprio para nos sentirmos felizes com o que temos e competências para conseguirmos também bons resultados para nós, sem termos de passar por cima de ninguém. O sentimento de inferioridade é um veneno que nos vai corroendo por dentro.

Está patente na vida de todos nós este padrão e o que é preciso é saber como geri-lo – comparações, competições, rivalidades. Podemos até falar em desamor social. Crescemos com a ideia de termos de ser os melhores, que não podemos deixar ninguém passar-nos à frente. A competição é uma característica humana que sempre esteve e vai continuar a estar presente na nossa sociedade.

Nós conhecemo-nos e percebemos do que somos capazes através do outro, através da tal comparação que fazemos. O curioso é que o processo começa por ser de identificação e de admiração. Eu só invejo o que admiro, mesmo que não admita isso, nem sob tortura. Eu admiro, mas em vez de ficar feliz pelo outro e lutar para conseguir também bons resultados, passo a desejar o que o outro tem, o que o outro conseguiu, o que o outro é. E em vez de lutar pelos meus objectivos, diminuo-me, invejo e desejo até que o outro perca o que possui. Pelo caminho ainda troço do que o outro é, humilhando-o, muitas vezes de uma forma indirecta, desvalorizando os seus feitos e até “roubando”as suas ideias.

Esta inveja surge da observação das nossas próprias limitações ou da percepção errada dessas limitações. Muitas vezes parece que não fomos competentes, mas a nossa maior dificuldade foi “simplesmente” a de escolher adequadamente metas, traçarmos objectivos possíveis de alcançar. E em vez de procurarmos olhar para as coisas desta forma, continuamos a desejar o que o outro tem, em vez de mudarmos as nossas percepções, adaptarmos metas e valorizarmos o que já conseguimos atingir, procuramos sobretudo fora de nós, quando o caminho passa por olharmos para dentro. Vive-se focado no que falta e não no que se tem.

A inveja revela muito mais sobre o invejoso do que sobre o invejado. Revela medos, incapacidades, percepções distorcidas. Como mostra a palavra, inveja vem do latim in-evidere, que significa não ver ou ver enviesado. Vemos com uma lente de aumento o que o outro tem e utilizamos a mesma lente para ver o que nos falta. Então, será que a galinha da minha vizinha é mesmo melhor do que a minha? Depende tudo da nossa percepção.

Há quem fale em inveja boa, inveja branca. Temos tanto medo da inveja que quando a sentimos, sentimo-nos obrigados e reforçar que é do bem. Sim, a inveja pode ser boa, mas também há quem diga que se for boa não se pode/deve chamar inveja, tal é a carga negativa que carrega.

Se tomarmos alguém como referência, se tivermos alguém como modelo, se essa pessoa nos motivar, se ao nos compararmos nos sentirmos estimulados a sermos melhores, se nos tornarmos mais criativos… isso só pode ser bom. Nos primórdios da evolução a inveja teve um papel importante. Desejar o que o outro conseguia era um indicativo do quanto era possível conquistar. Se um macaco conseguia dois cachos de bananas e outro conseguia cinco, o primeiro macaco percebia que também ele podia conseguir uma quantidade maior. Isto estimulava a competição, competição esta que ajudou na evolução da espécie.

Daí que possamos dizer que a inveja é um dos sentimentos mais antigos e primitivos. Segundo os psicanalistas, até o bebé sente inveja da mãe porque é dependente dela, porque o alimento provém da mãe e não está sempre ao seu alcance. Pode mesmo recusar o peito como retaliação. O bebé precisa então de tolerar as frustrações para que cresça saudável. E fundamentalmente é o que todos que sentem inveja precisam. Tolerar as suas frustrações, olhar para si mesmo e descobrir potencialidades, recursos, formas de ficar e ser feliz. A inveja tem cura.. E o primeiro passo é assumir-se que se sente inveja. Ao fazê-lo esta perde a força demolidora que tem. Podemos continuar a admirar o outro e as suas capacidades, sem querer que algo de mau lhe aconteça ou que perca o que conseguiu atingir.

Deixamos de sentir inveja quando sentimos gratidão. Gratidão pelo que se conseguiu alcançar, pelo que a vida nos deu, aceitando também que ela não é perfeita. Usufruímos da vida que temos quando deixamos de viver a ilusão de que só seríamos felizes de outra maneira. Então a chave é aceitar, conviver bem com a realidade, em suma, gostar da nossa galinha!

O facto de nos compararmos não tem de ser mau se nós, pais, educadores, adultos em geral, soubermos que uma pressão desmedida e que uma visão destorcida da realidade podem tornar as nossas crianças infelizes e escravos de eternas comparações. Mas tal como referi, a comparação não tem de ser má. Um estudo realizado pela Associação Americana de Psicologia mostra que quem tem a oportunidade de ver alguém a realizar uma tarefa, consegue ter ideias novas, ser mais ousado, mais criativo, mais flexível do que aqueles que não observaram ninguém a praticar as mesmas actividades antes de si próprio. Agora, é importante nunca nos esquecermos que não somos todos iguais. Se há os que se sentem estimulados com a competição, há aqueles que sofrem muito com isso.

Então, tal como a raiva, o medo, a tristeza, a inveja pode ser um sentimento que nos ajuda a viver e a progredir, se em doses moderadas. A solução é aprender a dominar as emoções e viver concentrados no crescimento pessoal, no desenvolvimento da auto-estima e ainda inspirando-nos no que se passa à nossa volta. Se o que cobiçamos nos destrói, o que admiramos constrói-nos.

E o invejado? Há algo que ele possa fazer?
Quem é invejado sente-se vulnerável e essa é a sua fragilidade. Acreditar no poder da inveja, acreditar que a inveja pode prejudicar é colocarmo-nos numa posição de medo, de profecia que se auto-cumpre – vamos estar sempre a pensar que aquela vitória ou aquele acontecimento positivo vai acabar a qualquer momento e acabamos por agir em conformidade. Acreditar que os outros têm tanto poder, limita a nossa vida. E depois, se algo de mau efectivamente ocorre vamos sempre achar que foi por algo que nos fizeram – se atribuímos a nossa felicidade a nós mesmos, então também devemos atribuir os nossos infortúnios aos nossos actos, porque nós somos responsáveis pelo que nos acontece. Cada um é sobretudo responsável por se deixar influenciar por sugestões, opiniões ou sentimentos dos outros. Por mais que nos custe aceitar, nós é que acabamos por alimentar os sentimentos negativos que outras pessoas possam ter em relação a nós. Então a receita continua a mesma – concentre-se no positivo, concentre-se em ser feliz!



Para finalizar, como é que podemos saber se alguém é mesmo nosso amigo ou se no íntimo morre de inveja da nossa vida? Se pensarmos bem, vamos conseguir concluir que não é só nos maus momentos que se vê quem está efectivamente ao nosso lado, quem é verdadeiro, genuíno, amigo. Os verdadeiros amigos são aqueles que vibram com o nosso sucesso, com a nossa felicidade. Aqueles que ficam contentes por nos saberem bem, que ficam felizes por estarmos felizes, que querem para nós simplesmente o melhor.



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